terça-feira, 8 de junho de 2010

provérbios

Incidente na Casa do Ferreiro
Luis Fernando Veríssimo
Pela janela vê-se uma floresta com macacos. Cada um no seu galho. Dois ou três olham o rabo do vizinho, mas a maioria cuida do seu. Há também um estranho moinho, movido por águas passadas. Pelo mato, aparentemente perdido – não tem cachorro – passa Maomé a caminho da montanha, para evitar um terremoto. Dentro da casa, o filho do enforcado e o ferreiro tomam chá.
Ferreiro – Nem só de pão vive o homem.
Filho do enforcado – Comigo é pão, pão, queijo, queijo.
Ferreiro – Um sanduíche! Você está com a faca e o queijo na mão. Cuidado.
Filho do enforcado – Por quê?
Ferreiro – É uma faca de dois gumes.
(Entra o cego).
Cego – Eu não quero ver! Eu não quero ver!
Ferreiro – Tirem esse cego daqui!
(Entra o guarda com o mentiroso).
Guarda (ofegante) – Peguei o mentiroso, mas o coxo fugiu.
Cego – Eu não quero ver!
(Entra o vendedor de pombas com uma pomba na mão e duas voando).
Filho do enforcado (interessado) – Quanto cada pomba?
Vendedor de pombas – Esta na mão é 50. As duas voando eu faço por 60 o par.
Cego (caminhando na direção do vendedor de pombas) – Não me mostra que eu não quero ver.
(O cego se choca com o vendedor de pombas, que larga a pomba que tinha na mão. Agora são três pombas voando sob o telhado de vidro da casa).
Ferreiro – Esse cego está cada vez pior!
Guarda – Eu vou atrás do coxo. Cuidem do mentiroso por mim. Amarrem com uma corda.
Filho do enforcado (com raiva) – Na minha casa você não diria isso!
(O guarda fica confuso, mas resolve não responder. Sai pela porta e volta em seguida).
Guarda (para o ferreiro) – Tem um pobre aí fora que quer falar com você. Algo sobre uma esmola muito grande. Parece desconfiado.
Ferreiro – É a história. Quem dá aos pobres empresta a Deus, mas acho que exagerei.
(Entra o pobre).
Pobre (para o ferreiro) – Olha aqui, doutor. Essa esmola que o senhor me deu. O que é que o senhor está querendo? Não sei não. Dá para desconfiar…
Ferreiro – Está bem. Deixa a esmola e pega uma pomba.
Cego – Essa eu nem quero ver…
(Entra o mercador).
Ferreiro (para o mercador) – Foi bom você chegar. Me ajuda a amarrar o mentiroso com uma… (Olha para o filho do enforcado). A amarrar o mentiroso.
Mercador (com a mão atrás da orelha) – Hein?
Cego – Eu não quero ver!
Mercador – O quê?
Pobre – Consegui! Peguei uma pomba!
Cego – Não me mostra.
Mercador – Como?
Pobre – Agora é só arranjar um espeto de ferro que eu faço um galeto.
Mercador – Hein?
Ferreiro (perdendo a paciência) – Me dêem uma corda. (O filho do enforcado vai embora, furioso).
Pobre (para o ferreiro) – Me arranja um espeto de ferro?
Ferreiro – Nesta casa só tem espeto de pau.
(Uma pedra fura o telhado de vidro, obviamente atirada pelo filho do enforcado, e pega na perna do mentiroso. O mentiroso sai mancando pela porta enquanto as duas pombas voam pelo buraco no telhado).
Mentiroso (antes de sair) – Agora quero ver aquele guarda me pegar!
(Entra o último, de tapa-olho, pela porta de trás).
Ferreiro – Como é que você entrou aqui?
Último – Arrombei a porta.
Ferreiro – Vou ter que arranjar uma tranca. De pau, claro.
Último – Vim avisar que já é verão. Vi não uma mas duas andorinhas voando aí fora.
Mercador – Hein?
Ferreiro – Não era andorinha, era pomba. E das baratas.
Pobre (para o último) – Ei, você aí de um olho só…
Cego (prostrando-se ao chão por engano na frente do mercador) – Meu rei.
Mercador – O quê?
Ferreiro – Chega! Chega! Todos para fora! A porta da rua é serventia da casa!
(Todos se precipitam para a porta, menos o cego, que vai de encontro à parede. Mas o último protesta).
Último – Parem! Eu serei o primeiro.
(Todos saem com o último na frente. O cego vai atrás).
Cego – Meu rei! Meu rei!



Você sabe a razão dos nomes dos anjos?
Gabriel, Rafael, Miguel e outros anjos… Todos terminam com el. Com base nos escritos de estudiosos sérios, teólogos e rabinos, novas tabelas de anjos foram criadas. Sendo assim, veja no texto abaixo as novas descobertas relativas aos estudos desses seres protetores.
NOVOS ANJOS:
Aluguel, anjo mau. Não deixa a pessoa conseguir sua casa própria;
Embratel, anjo protetor do monopólio das comunicações;
Chanel, anjo protetor dos costureiros, estilistas e outros boiolas;
Papai Noel, anjo protetor do comércio. Só aparece no fim do ano para acabar com seu 13º;
Tonel, anjo protetor dos alcoólatras anônimos e bêbados em geral;
Pastel, anjo protetor das colônias japonesas e chinesas;
Gel, anjo que protege as pessoas com cabelos rebeldes;
Manoel, anjo protetor das piadas preconceituosas;
Papel, anjo protetor daqueles com intestinos soltos;
Anatel, anjo que, como qualquer outro órgão do governo, não serve para coisa nenhuma!

ABRINDO CAMINHO

Ana Maria Machado
No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura.
No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra.
No meio do caminho de Tom tinha um rio.

Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?

Cada um no seu canto
Com seu canto
Nos chamou.
E nenhum de nós,
Nunca mais, ficou sozinho.

No meio do caminho de Dante teve uma estrada.
No meio do caminho de Carlos teve um túnel.
No meio do caminho de Tom teve uma ponte.

No meio do caminho de Cris tinha um oceano.
No meio do caminho de Marco tinha inimigo e deserto.
E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.

Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?

Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar.
-Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo me aproximar...
Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica perto.
A caravana de Marco se encarregou de provar.

Pau, toco, tábua, madeira?
-Faz navio de navegar!
Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar.
Com coragem, sobre as ondas. Cris atravessou o mar.

Não há distância para os pássaros nem para quem cisma de ousar.
Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar.
Voou, dirigiu seu vôo, era isso o avião!
E desde então a lonjura não atrapalhou mais, não.

No meio do caminho de Marco teve um mapa bem melhor.
No meio do caminho de Cris teve um mundo bem maior.
E com o vôo de Alberto, esse mundo ficou menor.

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